A nova cara do CARF: o contencioso tributário como espelho da maturidade corporativa brasileira
- Victor Serrão

- há 6 dias
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Durante muito tempo, o contencioso administrativo federal foi visto como uma espécie de limbo jurídico — o lugar para onde iam as teses tributárias quando o Judiciário parecia distante demais e o Fisco, inflexível demais. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) oscilava entre ser um tribunal técnico e um palco político. Essa ambiguidade, conhecida e explorada por todos, virou um componente estrutural do sistema tributário brasileiro.
Mas algo começou a mudar.
Nos últimos dois anos, a recomposição do CARF e a volta do voto de qualidade colocaram o órgão novamente no centro da agenda fiscal. Só que, desta vez, o debate não é apenas sobre quem “ganha” ou “perde” as causas — e sim sobre qual modelo de governança tributária o país quer sustentar.
A volta do protagonismo — e o novo perfil das decisões
O voto de qualidade, que sempre foi o divisor ideológico das sessões, voltou sob nova roupagem. A retórica do “empate pró-contribuinte”, criada em 2020, acabou produzindo distorções relevantes: abriu-se espaço para planejamentos excessivamente agressivos e um represamento de autos de infração de alta materialidade.
O retorno do voto de qualidade em 2023, agora acompanhado de transparência reforçada e uma composição mais técnica, sinalizou um reposicionamento institucional. O CARF parece buscar um equilíbrio: preservar a arrecadação sem punir a boa-fé empresarial.
E as decisões recentes mostram essa inflexão. Teses sobre ágio interno, JCP e tributação de subvenções passaram a ser tratadas com um pragmatismo que não se via há alguns anos. Não se trata de afrouxar critérios — trata-se de aplicar a técnica sem ideologia.
Um tribunal que dita o compasso do risco
As empresas estão entendendo algo fundamental: o CARF voltou a ser o termômetro real de risco fiscal. Em muitos casos, mais importante do que a jurisprudência do STJ é entender como o CARF está lendo a intenção e a substância econômica das operações.
O novo perfil de julgadores, muitos com forte background contábil e financeiro, trouxe uma leitura mais sofisticada da interação entre CPCs e normas fiscais. O CPC 15 (combinação de negócios) e o CPC 25 (provisões e contingências), por exemplo, tornaram-se referências usuais em votos — um avanço notável.
Para as companhias abertas, isso muda o jogo: as posições fiscais não são apenas debates jurídicos, mas também indicadores de governança e reputação.
O impacto na gestão tributária corporativa
Esse novo ambiente obriga as empresas a revisitar seus mapas de risco e as narrativas por trás das posições defendidas. O que antes era uma disputa técnica sobre alíquotas ou conceitos tornou-se uma discussão sobre credibilidade institucional.
Hoje, o verdadeiro diferencial competitivo está na capacidade de conectar planejamento tributário, disclosure contábil e ética de negócios.Empresas que tratam o CARF como parte de um ecossistema de compliance, e não como um “último bastião de defesa”, saem na frente.
Em paralelo, cresce a importância de estruturas internas de early warning: times multidisciplinares que antecipam mudanças de jurisprudência, revisam teses sensíveis e dialogam com a administração pública de forma transparente.
O CARF como espelho de maturidade institucional
Há uma leitura mais profunda em curso: o CARF se tornou um espelho da maturidade institucional do Brasil.Quando o órgão decide de forma coerente, técnica e previsível, o impacto vai além da arrecadação — afeta a confiança do investidor, a percepção de segurança jurídica e o próprio custo de capital do país.
De certa forma, o contencioso tributário deixou de ser um problema de advogados e contadores para se tornar um ativo estratégico de governança.
O que vem pela frente
Os próximos anos devem consolidar uma “jurisprudência de conformidade”, na qual o foco estará menos na criatividade fiscal e mais na consistência documental e contábil das operações.A convergência com as decisões do STF e STJ, especialmente em temas de ágio, crédito de PIS/Cofins e subvenções, deve reduzir a litigiosidade de alto valor — e empurrar o debate para um nível mais maduro.
Mas há um ponto essencial: o CARF, para continuar relevante, precisará resistir à tentação política e reforçar seu papel técnico.Empresas e profissionais que entenderem essa dinâmica — e ajustarem suas estratégias de governança tributária a ela — estarão não apenas em conformidade, mas em vantagem competitiva.
O contencioso tributário brasileiro vive uma virada histórica. O CARF, longe de ser um mero tribunal administrativo, está se consolidando como um espaço de validação da integridade empresarial.Quem continuar tratando o tema apenas como uma frente jurídica vai descobrir, tarde demais, que o jogo agora é sobre reputação fiscal e credibilidade corporativa.



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